Monet à Beira D'Água
O Olho é um Lago
As 8 narrativas
Monet à Beira D'Água

“Monet é o pintor da água por excelência”

“Tudo muda”, escreveu Claude Monet enquanto pintava volumes de pedra se dissolvendo em reflexos de luz. Para o pintor, o que importava era o exato momento em que o relevo se convertia em atmosfera. Por essa razão, sua paisagem foi um momento de transição. A impressão era um instante de vida da mesma forma que a pincelada era como a onda que agita o corpo d´água e o trajeto da luz, que sacode a neve e a flor na passagem do vento. Essa onda, que marcava o rastro do tempo e o ritmo da vida, foi também a que movia seu olho e seu pincel.


Seguindo a onda pelo curso do rio, pintando o vapor que se espalhava no céu e o lago que se escondia debaixo do sol, Monet encontrou suas paisagens à beira d´água. Pintou imagens molhadas pelo ciclo hídrico, paisagens destinadas às ondas da mudança. Seus salgueiros bebiam da água do Sena, e as pontes se encharcavam na boca do Tâmisa, sempre palpitando nos olhos e nas mãos do pintor, flutuando como ondas de luz. Para Élie Faure, ele foi o pintor de “tudo o que flutua”. Para Arnold Hauser, ele sempre pintou o mesmo tema: o rio de Heráclito, “o rio que não se pode entrar duas vezes”. Para Claude Monet, sua viagem foi uma contínua busca pela “aparência que muda a cada momento com os reflexos do céu”. Em Monet, a paisagem é uma onda que segue o tempo que corre, e o olho é um barco que flutua na mudança da corrente e do sol. O tempo é uma grandeza física que não tem corpo, mas deixa rastro por onde passa: pela água, pela luz, pela fumaça.


Seguindo essa onda, a M.I.R.A (Museum of Immersive Roaming Art) traz para o público a exposição “Monet à beira d´água”, um mergulho nas paisagens de Monet. Por meio de uma experiência audiovisual nas paisagens que mudam como um rio que corre, a exposição permite que o olho flutue na imagem por meio da escala e dos efeitos, criando a ilusão de “uma onda sem horizonte nem margem” (Monet). O público é convidado a entrar nesse rio de Monet e olhar sua pintura como uma grande onda, uma impressão do tempo que passa e da paisagem que muda, pois, como escreveu Gaston Bachelard, a vida humana “tem o destino da água que corre”. Tudo flui, tudo muda e, à beira d´água, passagens são como paisagens.

- Naum Simão, Curador
O olho é um lago:
Monet e a experiência imersiva

Imergir é afundar-se na água; é olhar por baixo da superfície e se molhar para ver. O lago é um olho, e foi pela água que Monet viu a luz nos seus efeitos mais sensíveis.


Por meio da imagem material e polivalente da água, Monet criou seu projeto mais audacioso, a Grande Décoration: um conjunto de pinturas de superfícies aquáticas flutuando no giro do sol. Pinturas feitas como água para uma sala no formato de lago, projetada como um tanque para um público pensado como mergulhador. Por acaso, seu pavilhão se instalou numa antiga estufa denominada L´Orangerie (O Laranjal), à margem do Rio Sena. Dentro dessa sala-lago, as pinturas foram dispostas para circundar o ambiente como ele desejou, como um “aquário floral” onde o olho pudesse submergir na imagem e encontrar o seu grande destino: a “ilusão de um todo infinito, uma onda sem horizonte nem margem”. Monet converteu a tela numa paisagem artificial e a sala, em realidade alternativa. Convidou o público a vestir o escafandro para ver a luz e a imagem numa flutuação sem moldura.


“Monet à beira d´água” é uma exposição imersiva. Segue, a partir das novas tecnologias, as intenções do artista: submergir o olho do visitante na ilusão da paisagem sem margem e da pintura sem moldura. Dentro da caixa preta do espaço expositivo, iluminada pelo trabalho de projeção, o observador pode mergulhar num ambiente coberto por imagens flutuantes, caminhar sobre as águas ou afundar nos últimos raios do pôr do sol.


Esse espaço expositivo foi planejado como relevo. De um lado, o seu desenho segue a forma do lago de Giverny. Do outro, se inspira na escala das paisagens ao levantar estruturas em diversos formatos (planos, côncavos e esféricos) a fim de suportar as imagens projetadas. A partir dos trabalhos de manipulação digital, as pinturas de Monet, num golpe de ilusão, criam paredes líquidas, pisos flutuantes e um teto aberto para as revoluções celestes.


Se o olho é um lago, em “Monet à beira d´água”, a imagem é uma inundação. Enquanto a paisagem passa como água viva, a exposição se apresenta como um grande mergulho.

- Naum Simão, Curador
Uma Exposição em 8 passagens
Uma Viagem em 8 atos

A exposição “Monet à beira d´água” foi pensada como uma viagem pelas pinturas de Claude Monet. A partir de uma experiência audiovisual por oito temas, que se desenvolvem à margem de rios (Sena, Tâmisa, Sandvikselva), mares (Canal da Mancha e Golfo de Gênova) e lago (Giverny), o público pode percorrer paisagens que mudam como a água que corre, mergulhar em um abismo de luz e cor, sentindo, como queria Monet, “as impressões dos efeitos mais fugazes”.

Uma viagem de trem

Partindo da Estação Saint-Lazare, Monet pinta a rota Paris-Argenteuil com as estações cobertas por nuvens de vapor e fumaça, neve e nevoeiros, em busca de flutuações na “luz e no ar que variam sem parar”.  Atravessando pontes à beira do Sena em dias de verão e inverno, ele chega até Londres para pintar “aquela atmosfera única do Tâmisa”. É uma viagem no rastro de nuvens e nevoeiros que mastigam a luz e transformam paisagens.

Campos e moinhos

Na rota das colheitas, Monet segue à beira d´água. Atravessa as plantações de cereais em Chailly e Giverny, e de papoulas em Argenteuil e Vétheuil, em busca do ciclo da vida às margens do Rio Sena. Nos campos, à luz do sol, pinta o trigo e as flores como se fossem obras do tempo. Chegando na Holanda, Monet acompanha as margens do Rio Zan, do Canal Onbekende e a Costa de Haia para colher ventos nos olhos dos moinhos e cores nas pétalas das tulipas. Nessa viagem através dos ciclos do tempo, ele se detém na margem do Rio Epte para ver a dança dos choupos nas proximidades de Giverny.  Enquanto isso, o tempo corre como o vento…

O mar e a luz

Nas viagens de Monet, a rota mais frequente é trilhada na costa da Normandia. Na Boca do Sena, ele cresce e aprende a pintar a paisagem. Em Le Havre, Monet vê o sol nascer e batiza a “impressão” com água e luz. É lá que também deixa seu epitáfio: “quando eu morrer quero ser enterrado numa boia”. De passagem pelos portos de Honfleur e Fécamp, observa o sol afundar nas águas e o farol se levantar à sombra da noite. Atravessando os penhascos de Pourville e Varengeville, segue caminhos de trigo em fuga para o mar. Chega nas falésias de Dieppe, Étretat, Valmont e Belle-Île para pintar as ondas de água e luz quebrando nas pedras.  Na famosa praia de Trouville, registra os dias iluminados de verão, mas na viagem para a Itália, Monet deixa parte de seu coração pintado no Grande Canal. O sol morre em Veneza.

Passeio pelo lago

O passeio pelo lago é a mais longa viagem de Monet. Em Giverny, o pintor faz uma jornada dentro de seu próprio jardim, seguindo os reflexos de luz que cintilam na lâmina d´água como o aço dos trilhos. Durante 29 anos, ele atravessa o Arco de Rosas como túneis para o sol, as Pontes Japonesas como passagens no tempo, acompanha os Salgueiros debruçando-se na margem, e Ninfeias flutuando no espelho d´água em busca da “aparência que muda a cada momento com os reflexos do céu”.

Arquitetura do tempo

Caminhando pelas margens de rios e mares, Monet também pinta as metamorfoses da pedra. “Tudo muda”, dizia ele. As construções trocam de pele nos ciclos do dia e das estações, como as plantações de trigo que ficam manchadas pelas cores da aurora e do crepúsculo. Nesse ritmo, a Catedral de Rouen, as Pontes de Londres e a Basílica de Veneza encenam o milagre da transfiguração pela luz e pela sombra à beira d´água.  Oferecem para o pintor, que olha através das horas abertas do dia, alguns instantes de vida nas imagens que nascem e morrem pela passagem do tempo. A vida é uma impressão… 

Horizonte nevado

Percorrendo os caminhos brancos para ver os efeitos de luz nas diversas faces do inverno, Monet segue a linha Paris-Le Havre beirando o Sena congelado. Pintando estradas nevadas e nevoeiros densos sobre a lâmina do rio, raios de sol atravessando o céu e quebrando gelo, Monet segue em busca das “impressões dos efeitos mais fugazes”. Na ânsia por ver o que o tempo frio tem para lhe ensinar, ele chega a prolongar a rota até a Noruega para pintar “o temível norte”. 

Paisagens “en vert”

A rota das paisagens verdes parte de Barbizon e segue pela linha Paris-Le Havre, subindo o Rio Sena até o Canal da Mancha e, depois, fazendo um grande desvio pela flora mediterrânea do Golfo de Gênova. Em busca da luz que alimenta a casca da natureza, Monet segue as trilhas silvestres ou os passeios dos jardins. Segue seu destino por caminhos pavimentados perseguindo “o silêncio colorido” e “o mais ínfimo pedaço de cor”, colhendo as impressões do tempo que se perdem como a água de um rio que corre.

Flores de tinta

Caminhando pelas margens do Rio Sena, em Argenteuil e Vétheuil, Monet deixa sua pintura florescer. Como um beija-flor, aproxima-se dos canteiros à beira d´água e sopra seu pedido: “Eu gostaria de pintar como os pássaros cantam”. Os pássaros, como as flores, são sensitivos: prenunciam a passagem do tempo. E para pintar como um pássaro, Monet usa a flor como seu terceiro olho: através dela, vê o retrato do tempo na vida breve; nas “aparências que mudam a todo momento”. Em Giverny, ele cultiva pinturas seguindo a luz na pele da tulipa e na carne da alcachofra.  E lá, entre o perfume da papoula e o sorriso da ninfeia, ele finda sua vida numa viagem doméstica: afunda os olhos no espelho d´água para atravessar o abismo de luz. Deita numa cama de crisântemo cercada de girassóis e deixa suas impressões com tinta à beira d´água. A vida é um instante que passa…